Carta à vovó…

Celso Rodrigo
3 min readJul 29, 2020

--

O dia nublado trouxe o céu cinza para dentro. Aqui o silêncio fez-se ensurdecedor. A saudade apertou, quase esmagando o peito. As lágrimas atrapalham a escrita, mas a lembrança ainda aquece a alma. Só quem te conheceu, sabe que a ausência de seus gritos e fala alta, fazem e farão muita falta até o fim dos dias.

Especialmente hoje que seu neto precisava de um colo. Não palavras ou de uma presença distante, somente seu colo e seu cafuné. O carinho demonstrado em tantos anos de criação e de dedicação, para que eu fosse o seu orgulho.

Queria seus conselhos, não estes que encontramos nos livros, mas aqueles retirados da sabedoria de quem leu a vida. Mesmo sem escolaridade, o seu jeito era único. Sua risada, sua conversa, sua comida caseira e simples, até mesmo o jeito que lidava com as “prantinha” me ensinava algo.

Não pude permanecer em meu casamento, mas a senhora já deve saber, mas ainda luto e busco aprender diariamente, para me tornar aquele homem ao qual a senhora tanto queria ver crescer. Exceto pelo uniforme branco da Marinha. Este não foi possível. E sei que se orgulharia, pois é no sorriso de suas netas que posso perceber que tenho eternizado os seus ensinamentos.

Peço que olhe por mim, de onde estiver. Os dias não tem sido fáceis, às vezes sombrios demais, porém, ainda permaneço em pé, mesmo ferido algumas vezes, quebrado por dentro, sorrio, buscando forças que me façam acreditar, guardando a esperança de que estou fazendo meu melhor, como a senhora sempre me disse.

O seu colo me faz tanta falta, como faz. Há pensamentos e sentimentos que não compreendo e queria poder desabar em seus braços. Ouvir sua voz mais uma vez me chamado de “meu neto”. Nada mais. Somente uma lembrança ecoa em minha memória, do seu carinho com tantos bichinhos que adotou. O seu cuidado com o vovô e com os demais, desenhou de forma física, o significado da palavra amor.

Os tempos finais, onde não ouvia mais a sua voz, apenas lia o que escrevia em seu caderno, era uma anunciação de que precisávamos nos fortalecer. Realizar o seu desejo de assistir uma última missa, me fez a pessoa mais realizada do mundo, onde nada paga a alegria que senti ao ser recompensado pelo seu sorriso e lágrimas de alegria por rever seus companheiros de coral, de todos os fins de semana.

Lembra que éramos obrigados a ir à missa, por uma exigência da escola de catequese? E quando eu não ia, a senhora levava a minha carteirinha e carimbava minha presença lá. Sim, depois brigava comigo, pois deveria ter ido e que perdi uma mensagem importante do padre à comunidade. Logo depois, sorria e deixava isso pra lá.

E quando comecei a jogar no time de futebol que a senhora era uma das fundadoras! Ah, o orgulho de me entregar aquela camisa de time suburbano faria qualquer torcida dos grandes times invejarem aquele momento. O magrelo vestia o uniforme que a senhora lavava todo fim de semana. O magrelo fazia parte daquele grupo de amadores, mas que sempre estiveram debaixo de suas ordens.

Há tanto que lembrar, tanto que escrever, tanto que silenciar, tanto que agradecer. Obrigado vovó. Olhe por mim, que eu encontre a mesma sabedoria que a senhora carregou e compartilhou por anos comigo.

Um beijo, onde a senhora estiver.

Com afeto.

--

--

Celso Rodrigo
Celso Rodrigo

Written by Celso Rodrigo

Não me leve tão a sério, sério!

No responses yet