Covardia anunciada

Celso Rodrigo
2 min readMar 25, 2020

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Acordou de maneira abrupta na madrugada, foi até a geladeira e pegou uma garrafa de água que duraram poucos segundos em suas mãos. A roupa encharcada de suor denunciava o desespero em sua alma. Nesse horário, nenhum de seus confidentes estavam acordados e não queria despertá-los, mas a angústia era quase insuportável. Abriu seu notebook e resolveu publicar um texto.

Buscou respirar fundo de desabar ali, na tela em branco, toda a dor de sua alma. Queria extravasar, percorrer as palavras sem pensar, apenas desafogar o nó de sua garganta, na tentativa desenfreada de trazer alento ao seu coração. Passaram alguns minutos e nada.

O medo o havia paralisado. O que dizer? Não será muito pesado? Não trará choque àqueles que me conhecem? Como reagirão às minhas palavras? Como me olharão pelos corredores amanhã? Não serei digno nem de acenos? Já não consigo suportar lidar com meus demônios, mas lidar com a rejeição da alma exposta seria muito pior?

As lágrimas já tomavam conta de sua face e embaçavam sua vista. A angústia cumpria o seu papel e apertava ainda mais seu peito. Cruzou os braços na cintura e se abaixou, talvez chorar nessa posição alivie a dor, pensou. De nada adiantou. As lágrimas aumentavam a cada minúcia estudada de sua história.

Nascia dentro de si o desejo insano pela redenção, pedir perdão às pessoas pelos pensamentos ofensivos, palavras não reveladas, mas que o pensamento arrastava como correntes pesadas dentro do seu peito. Erros cometidos que afastou amigos, que encerrou relações familiares, que deturpou sentimentos de seus amores. Dor, apenas dor, incomensurável dor. Percebeu que precisava perdoar a si, mas para isto, acreditava ser necessário pedir perdão ao outro.

De repente o susto, o apito da chaleira ecoou. Passou seu café com a cerimônia costumeira. Sorveu seu café, acendeu seu cigarro e percebeu, precisava de coragem para expor sua alma na tela em branco. Covarde. Covarde. Covarde! Repetiu três vezes antes de fechar a tela do seu notebook e voltar para a cama.

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Celso Rodrigo
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Written by Celso Rodrigo

Não me leve tão a sério, sério!

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