Entre amigos — cena dois.
Nando havia feito amizade com outros dois meninos, os quais seriam quase inseparáveis durante a sua infância e adolescência, Marcelo e Arthur. Os três compartilhariam várias épocas, quase que grudados. Onde estava um, os outros dois estavam juntos, aprontavam juntos, bebiam juntos, disputavam pipas juntos, jogavam bolas juntos. Pouca coisa podia-se falar que não faziam juntos. No time da pelada quase toda semana, dificilmente você veria um dos três jogando contra. Acontecia, mas aí o jogo não era levado tão à sério, porque um sempre dava um jeito de importunar o outro dentro de campo, seja baixando o calção, um puxão de orelha, beliscões durante a marcação em uma cobrança de falta ou escanteio, sempre uma amizade bem-humorada.
Infelizmente o destino não reservou grandes planos para Nando, o qual durante o processo seletivo para um time da região, acabou deslocando seu joelho e precisou de cirurgia em seus ligamentos. Ali ele soube que o sonho de ser jogador estava acabado. Claro que isto não abateu tanto o pobre jovem, pois seus amigos estavam sempre o apoiando e ele também distraia sua mente com o samba, sua segunda paixão.
Com o passar do tempo, ambos cresceram. Nando seguiu carreira de músico, Arthur fazia as correrias no movimento, ganhando status com o gerente, enquanto Marcelo só queria saber de bagunça. Fazia sempre um bico aqui e outro ali, para garantir uma graninha pra sua cachaça. Ele não gostava que seus dois amigos bancassem sua bebedeira o tempo todo, volta e meia, gostava ele de pagar ao menos uma rodada. E sempre que se reuniam, era cerveja, cachaça, samba e muitas risadas. Lembravam agora com risos da correria que levaram da polícia, das aventuras amorosas no morro, onde já saíram os três pulando janela, catando suas roupas enquanto o pai das meninas, desesperado em defender sua honra, gritava e ofendia os três moleques que corriam e gargalhavam ante a fúria daquele pai.
Mas o que mais os unia eram as festas na casa da dona Lu. Um bordel quase no topo do morro. Era lá que os corações dos três habitavam. Clientes desde os quinze anos, frequentavam assiduamente a casa de entretenimento. Dona Lu era dona, mas estava quase se aposentando, depois de anos de trabalho e sendo mão direita da antiga dona do lugar, quando esta acabou vítima do tráfico, assumiu o posto de dona. Já Débora, Dani e Nanda eram as garotas mais requisitadas daquele ponto desprezível.
Lá não haviam os requintes dos lugares de luxo, a bebida era mais barata e era local. Sem contar que as garotas faziam a alegria do trio. Embora não subissem para o quarto sempre com a mesma, cada um tinha uma predileta em seu coração. Arthur quando começou a ganhar visibilidade ante o tráfico, exibindo seus cordões de ouro e seu armamento, jurou um dia tirar Nanda daquele lugar para ser sua dona. Nando também, acabou apaixonado pela profissional Débora, embora sempre os aconselhassem que elas não eram mulher para casar, para ter um relacionamento fixo, era apenas curtição. Já Marcelo e Dani eram bichos soltos, se pegavam no bordel e fora dele, mas nunca estabeleceram algum interesse em fixar relacionamentos. Gostavam da vida que levavam.
Assim era a vida dos seis. Os três inseparáveis amigos e as mulheres que seriam as protagonistas de seus dias. Cuidadoras de suas dores, ombro necessário na hora do desabafo, uma vez que Nando, Arthur e Marcelo fossem quase irmãos, não gostavam de abrir seus problemas para os outros. Foram criados com o ensinamento de que homem não chora. Todavia, as mulheres daquele pobre estabelecimento sabiam as dores que carregavam em seus corações.
Quisera eu dizer que todos eles largaram suas vidas de crime ou de pobreza dentro da favela e tomaram um rumo diferente do que conhecemos. Mas alguns personagens vieram dificultar esse desfecho. Dois primos vindo de outro estado, especialistas em roubo e tráfico de drogas, Rafael e Serjão. E uma mulher, Rafaela, aliciadora de mulheres, para vender ao mercado de escravidão sexual.