Entre amigos - cena um.
Nando, como todos os conheciam, era um menino revoltado com sua vida ou talvez a sua rebeldia fosse uma defesa contra todos que se aproximavam dele. Perdeu seus pais quando era pequeno e circulou por alguns lares adotivos, mas sem sucesso e sem conseguir adaptar-se com outras famílias, a prima de sua mãe acabou por tornar-se a tutora do menino. Seu passatempo favorito era o futebol no campinho da vila, aqueles que anda eram de terra vermelha e que nenhum dos seus jogadores utilizavam tênis. Caso chegasse calçado, tirar seus sapatos para jogar, era a regra.
Outro passatempo que gostava era acompanhar as rodas de samba da favela. Ficava horas viajando e aprendendo, pouco a pouco, os compassos do samba. Seu instrumento favorito era o cavaquinho. Com os músicos da região, pegava algumas lições e aos poucos foi se enturmando e participando de uma roda ou outra. Como era muito novo, não podia ficar até tarde nos bares, por causa das batidas policiais, mas se esforçava ao máximo enquanto podia. Até ganhou um cavaquinho velho e surrado de um dos seus comparsas.
Ali nas vielas sujas da favela, onde aprendeu a dura lição da vida com seus vizinhos e sua mama, como chamava carinhosamente a prima de sua irmã, ele planejava seu futuro. Queria ser jogador de futebol, para ter uma vida melhor para si e para sua mama ou então seria músico sambista, também visava o seu bem-estar e de sua tutora, num primeiro momento.
Todavia, como Nando já estava acostumado, nada vinha fácil para suas mãos. Era necessário lutar diariamente pelos seus objetivos. Desviar dos convites de dinheiro fácil do tráfico e a atenção das meninas, o poder de sentir o ferro na cintura, mandar e desmandar em alguns soldados e ser temido. Tudo isso tinha um preço, uma vida curta e de pouca paz. Sem contar as chineladas que levava de sua mama quando aprontava algo.
Quando não estava jogando bola ou nas rodas de samba, procurava descontrair-se o pouco tempo que tinha, com seus colegas vizinhos. Caso contrário, estudava para ser alguém na vida e se não conseguisse seus objetivos, ao menos teria um diploma para fugir daquela vida pobre que levavam dentro das fronteiras da favela onde o crime era o destino de grande parte das crianças que ali nasciam.
Embora sua mama não gostasse, Nando ficava o maior tempo possível nas ruas para evitar as brigas e até tapas do marido de sua tutora. Zéfo passava quase o dia todo fazendo bicos para pode pagar a cachaça que bebia antes de retornar pra casa e, como quase todas as noites, acabar com paz do lar em que viviam…