O cinza fica melhor quando acompanhado do preto.

Celso Rodrigo
2 min readApr 4, 2019

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O silêncio incomoda. A ausência de palavras se torna nauseante. O confronto de si causa medo. Talvez, arrisco dizer, que seja esse o motivo de aprendermos a lidar com a solitude. Estar só apenas consigo é adentrar uma residência que parece vazia. Todos os móveis estão lá, porém, cobertos com um pano qualquer e cheios de poeira. Não queremos tocar, mas só de observar a silhueta do tecido, já sabemos do que se trata. Sem contar os demais cômodos, também abarrotados de objetos escondidos e sujos com o passar do tempo.

Resignados, abandonamos o cômodo sem chacoalhar aqueles tecidos que nos assustam. Sim, observar o cômodo silente, móveis inertes, a ausência de luz. Tudo isto pode ser assustador. Aliás, é! E muito.

Por isso gosto dos dias cinzas. É preciso afastar-se de tudo e todos e praticar essa observação. Explorar os cômodos e perceber que falta esmero naquele local e asseio consigo mesmo. Chacoalhar os pedaços de panos e retalhos que cobrem seus medos, arrependimentos, tristezas, alegrias, acertos, erros, pensamentos e emoções. O ato da limpeza faz-se necessário, com urgência.

Nos dias cinzas, esqueço o colorido lá fora, não importa. Os sorrisos, distrações e conversas são necessários para que nos dias cinzas, eu tenha forças para fazer o que preciso fazer. Há quem estranhe. Podem até pensar que seja uma máscara. “A felicidade não é constante, apenas um esconderijo de sua aflição”. Não! A felicidade não é duradoura, ela reabastece as energias para que em dias de melancolia, eu não seja tragado para o mar da angústia.

Nos dias cinzas basta-me uma leve melodia. Silêncio. Privacidade. Não a privacidade distante dos outros, fisicamente. Privacidade de espírito e pensamento. A música toca, sorvo um pouco de café, as palavras vêm e vão. Pouco a pouco monto esse quebra cabeça. Um verbo aqui, um sujeito ali. Uma vírgula. Nada de significante. Desmonto e remonto as orações silenciosas. Agora sim pode haver sentido nisto!

A quietude parece pavorosa e transforma-se em ruídos. Fugir parece a decisão mais sensata, porém, de longe avisto o arrependimento e seus acenos. É preciso ficar. É preciso enfrentar! Coragem, seu frouxo! É você e você apenas. Foda-se se não há muita energia. Ficar choramingando não te fará crescer. Nem mesmo se vencer, te fará melhor. A metamorfose ocorre enquanto percorre o caminho. Não está no fim ou no início dele.

Nos dias cinzas, o silêncio, um café, dois ou três talvez.

O cinza fica melhor quando acompanhado do preto.

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Celso Rodrigo
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Written by Celso Rodrigo

Não me leve tão a sério, sério!

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