Sobre caminhada…

Celso Rodrigo
6 min readFeb 2, 2023

--

Sempre tive uma relação estreita com o Sagrado. Inicialmente em minha infância, acompanhando minha vozinha pelas viagens à Aparecida do Norte, depois como catequista da Paróquia São Benedito onde fiz minha primeira comunhão e crisma, mas não era muito praticante da fé.

Passado pouco tempo, conheci a fé cristã dentro da Igreja Evangélica Fonte da Vida, onde aprendi muito sobre Graça, Fé, dentre outras tantas coisas. Sou grato à este tempo e aos mestres que puderam e, com muita paciência, me ensinaram muito. Um que marcou muito a minha vida, foi o Marcos Vicente, músico e grande ministro da casa sagrada. Aos dezesseis anos, tive meu primeiro contato com o violão, mal sabia segurá-lo.

Ainda hoje, ao fechar os olhos e relembrar aquela época, consigo ouvir a sola de sapato de madeira do meu grande professor, batendo no chão, contando os tempos dos compassos e sua voz dizendo “atrasou, de novo”. Diversas foram as vezes que isso aconteceu. Em todas as aulas que ele dedicava seu tempo aquele aluno sem talento ou noção, respirava fundo e dizia: “atrasou, novamente!”.

Com o passar dos meses, me dediquei mais ao violão e iniciei meu contato com a guitarra, instrumento que ganhou meu coração quando descobri as possibilidades harmônicas e melódicas daquelas seis cordas e as regulações variadas entre os captadores single-coil e humbuckers. Contando, acredito que tive umas seis guitarras, uns três violões e uns três pedais de multiefeito durante os meus quinze anos aprendendo a arte das seis cordas. Por todo esse tempo, me dediquei a arte e posso dizer que cheguei a tocar bem, perto da monstruosidade talentosa das pessoas que eu acompanhava.

Poucos anos mais tarde, me despedi da guitarra e me dediquei à leitura. E resolvi trilhar o caminho de um errante no que diz respeito a crença e fé. Tornei-me um “desigrejado”. Não abandonei a leitura daqueles que me inspiraram durante o período que servi dentro da igreja, mas também não via motivos para continuar trilhando aquele caminho. Era hora de cumprir o meu chamado.

Chamado este que me levou, através da minha filha, diretamente a conhecer a Mãe de Santo Larissa de Iemanjá, na época dirigente do terreiro C.U.R.O. Lá pude me maravilhar novamente com a manifestação da fé e da crença, através de uma nova manifestação religiosa, a Umbanda. Todavia, ainda precisava compreender algumas coisas e derrubar alguns paradigmas, buscando a compreensão do que estava para acontecer, uma vez que não estava nem um pouco interessado a me envolver novamente com alguma religião e com pessoas, principalmente.

Calma lá, não que eu me enxergue como superior, era mais por ser antissocial mesmo. E ter um espírito questionador e provocativo não te faz ser a melhor das amizades. Só que a espiritualidade tinha outros planos em minha vida, dos quais não tinha ideia.

Passado um ano, descobrimos que a Mãe Larissa de Iemanjá havia mudado de terreiro e estava próximo de casa. E fomos lá fazer uma visita. E algo que ainda não sei explicar, tomava meu coração. Depois de algumas noites pessimamente dormidas, com ansiedades, com paralisias do sono, minha filha me aconselhou a fazer uma consulta, preocupada com seu velho pai, queria proteção e cuidado comigo. Sem resistir, fui. Tive minha consulta com Seu Três Estrelas, que cuida de mim até hoje.

Nessa nova fase de vivenciar minha fé, descobri que Xangô era o orixá ancestral, regente pelo meu Ori — (Ori, palavra da língua iorubá que significa literalmente cabeça). Logo pesquisei alguns desenhos na internet e fiz uma tatuagem. Enquanto isso, minha família incrédula com minhas atitudes e vendo que eu estava mergulhando de cabeça na Umbanda, sem perceber.

Acompanhei mais algumas giras e fui arrebatado pelo sorriso, amor e ternura de Seu Pena Branca, entidade chefe do Terreiro Caboclo Seu pena Branca. Sua personalidade paciente, misturado ao sorriso, amor e ternura me prenderam de tal forma que pouco tempo depois me batizei e dei início à minha caminhada dentro desta fé deslumbrante.

Contei todo esse trajeto para chegar neste momento, a paixão que abruptamente tomou conta desse escritor teimoso pelo couro do atabaque.

Sem entender nada dos rituais, dos processos, até mesmo de como agir diante de um mundo novo que se abria em minha vida, o ritmo e tons daqueles instrumentos invadiram minha mente e coração, que ainda não sei explicar. Só sei que as mãos doem depois de cada gira, rs.

Com algumas conversas e ensino paciente, pelo excelentíssimo Mitsuo, hoje sou um aprendiz desse instrumento apaixonante. Obviamente, ainda é preciso maior dedicação e empenho para aprender as viradas, toques, variações, ritmos e cadências que esse tambor possui. Se você me pedir para explicar, ficarei mudo, apenas com os olhos marejados, tamanho o sentimento que ainda não consigo externar em palavras, apenas sei dizer com dedicação e atenção a cada aula que tenho, tocando ao lado do que considero meu professor, Mitsuo. A ausência de explicação é tamanha, que adquiri dois atabaques, de modelos diferentes, sem nem pensar. Somente queria aprender, criar intimidade, descobrir a linguagem que embala a dança poética das incorporações e me aventurar nessa força e vibração que literalmente, fazem o instrumento pular do chão.

Reconheço que sou apenas um recém-nascido, um aprendiz curioso e faminto, e comprometido a servir o chão sagrado que piso da melhor maneira que sei.

Curiosamente, dias atrás, em minhas orações, pedi direção à todos os guias que trabalham e guardam nossa casa, para me encontrar de fato, dentro da Umbanda. Almejo desenvolver sim os trabalhos com as entidades que me acompanham, mas isso requer mais tempo, mais conversa e mais intimidade, mas o objetivo maior é servir, seja ao próximo que busca numa consulta, respostas para suas angústias, libertação de seus medos, cura para alguns males. Servir aos meus irmãos de corrente e suas entidades, assim como ao meu Pai Seu Pena Branca, que tão amorosamente me acolheu.

Como dito ontem, em uma gira de desenvolvimento, onde temos apenas os médiuns da casa em que não há a presença das demais pessoas, chamadas de assistência, que precisamos entender qual nosso objetivo. Se não temos um objetivo, somos como a folha caída ao chão, onde qualquer brisa leve determina sua direção. Uma folha presa à árvore, gera vida e pode até virar fruto, que alimentará outros ao seu redor.

E ontem recebi a resposta que precisava. Encontrei meu caminho, tenho um objetivo. E com isto, fortaleço ainda mais minha fé, minha dedicação e meu coração ao que resolvi me entregar, ao toque do couro. Através dele eu vibro, através dele eu choro, eu sorrio, eu luto, eu caio e me levanto. Ali, atrás daquele instrumento, eu me liberto! Exprimo o que há dentro do meu peito, gratidão! E cheguei em casa, mal consegui dormir, só queria chorar a alegria que meu peito transborda, chorar pela salvação que recebi, chorar sabendo que não sou merecedor do que a espiritualidade ainda me reserva.

Gratidão pelo chão que me acolheu, gratidão pelas entidades que me escolheram, gratidão pelos orixás que me escolheram, gratidão pela espiritualidade que me escolheu e já deixou tudo preparado, aguardando apenas o meu primeiro passo de coragem, força e vontade.

Por isso expresso hoje minha total gratidão pela confiança de todos meus irmãos de corrente, minha gratidão pelo incentivo, gratidão ao Seu Pena Branca, Seu Veludo e Seu Kambembeh pelo desafio e pela confiança que me inspiram. Obrigado Mãe Larissa e nossa hierarquia, vocês me inspiram a ser uma pessoa melhor, um médium melhor e um servo excelente.

Saravá sua força da corrente Terreiro Seu Pena Branca.

Saravá sua força Mãe Larrisa de Iemanjá.

Saravá a força da engoma de seu Kambembeh.

--

--

Celso Rodrigo
Celso Rodrigo

Written by Celso Rodrigo

Não me leve tão a sério, sério!

No responses yet