Só mais uma dose…
Acordei pela manhã, coei meu café, ouvi um pouco de música para tentar despertar lentamente, como é da minha natureza. Não consigo, assim como você, acordar com toda energia. Meu corpo pede para ir com calma, não consigo nem racionar direito.
Passado o tempo exigido pelo meu organismo, é seu nome que me vem à mente, seu rosto se materializa em meu pensamento e seu sorriso ilumina a janela ainda escura da minha sala. Pode estar a maior tempestade lá fora, o seu brilho me faz crer que este será um dia bom.
Me aproximo da janela e fito as gotas formadas pela chuva escorrendo e sumindo pelo vidro, detalhando o meu eu diário, evaporando e sumindo sem ter você em minha vida. Aos poucos, se esvaindo, deixando traços na superfície cristalina e desaparecendo. Onde era água, presença, agora restou o opaco do ar frio que acompanha o dia chuvoso.
As canções não tem a mesma graça, as séries ficaram desinteressantes, os canais não se sustentam mais na televisão, pois a solidão acaba por me distrair e troco de canal a cada instante. Eu sei, é vã a esperança de que eu encontre em algum programa, o seu rosto, o seu cheiro, o seu aceno. Sabe quando você abre a geladeira mesmo sem procurar nada e, minutos depois, retorna e abre novamente e só vislumbra o vazio perante seus olhos? Assim fiquei e o controle da tv tornou-se a minha geladeira. Aperto os botões, troco de programa, mas você não está lá.
E para piorar, depois de sair do banho, ao pegar minha camiseta no guarda roupa, percebi o teu cheiro inconfundível no tecido. Não me recordo se você a usou, mas não confundiria esse arrepio que senti se não fosse o seu aroma na minha peça de roupa. Fui invadido pelas sensações e abduzido pelas lembranças. Quando voltei ao normal, já estava chorando no chão do meu quarto. Sem força e vontade, ali permaneci estático por mais alguns minutos, aguardando que a dor dilacerante se dissipasse e devolvesse meu fôlego.
Sou como o viciado após a sua terapia, frente ao espelho, repetindo diversas vezes, hoje é mais um dia. Mais um dia para vencer, mais um dia para caminhar, mais um dia para acreditar que posso. Você é meu ópio, a droga que me faz viajar e esquecer quem sou, que me transforma e me seduz. Sou o alcoólatra que busca o controle, mesmo que que a intenção me provoque e repita em meu ouvido: “só mais uma dose”.
Que seja este, mais um dia.
Onde quer que esteja.
Um beijo, com afeto…