Uma dose de uísque e liberdade
Ei amigo, por favor, me sirva algo para beber?
Pois não, o que deseja?
Uma dose dupla de liberdade!
Perdoe-me senhor, não entendi seu pedido.
Ora pois, neste caso, quem deve um pedido de perdão sou eu. Uma dose dupla de uísque, por favor. Ao servir, que seja sem ausências!
Como?
Droga, difícil sem compreendido desta forma. Ok, sem gelo, puro apenas.
Aqui está sua dose, mas explique um pouco mais sobre essa liberdade e as tais ausências.
Veja, aqui você pode pensar que está me servindo uma dose de uísque, isto é apenas metaforicamente. Estou bebendo um pouco de liberdade. Somos seres ausentes, ou melhor, construídos de ausências. Neste pequeno copo, tento fugir de algumas delas, mesmo que seja por um breve momento.
Somos construídos de ausências? Você acredita nisto mesmo? Não são nossas culturas, experiências, leituras e conflitos que nos moldam?
Sim, de fato, constituem grande parte do que somos, porém, olhe ao seu redor. São nossas ausências que nos controlam. Descobrindo suas ausências, outros dominam uns sobre os outros. Os mais incautos acreditam que estão em busca da felicidade ou um pouco de prazer, mas apenas extravasam e exibem suas ausências. As mazelas de nossas almas. Note as redes sociais, fotos que não demonstram o breve momento que desfrutamos ou textos que levem sabedoria ao outro. São apenas ausências, simples assim. A imagem tenta descrever um instante simples que não voltará logo depois. Textos escondem nossa pequenez atrás de uma retórica ainda que rasa, frases prontas que anestesiam nossa alma. Este copo também serve como fuga. Com isto, vivemos às escondidas, mascarando nosso eterno sofrimento. Buscamos fugir das ausências nos amores, na bebida, na música, na realização pessoal ou profissional, crendo que isto nos liberte. Ora, não há liberdade, apenas um pequeno instante de paz em meio ao caos que nos preenche e até mesmo sufoca. Até mesmo aquilo que condenamos no outros com nossos julgamentos, são carregados de ausências. De quem somos, quem o outro é…
Interessante, não havia pensado desta forma. Quero dizer, não tinha refletido sobre ausências do modo como a descreve. Sei que nós sofremos e não conseguimos explicar o que nos falta em muitas ocasiões, mas se pensar bem, essas ausências também são benéficas, nos tornam melhores ou nos impulsionam a buscar um preenchimento do que falta e, dependendo da situação, nos faça perceber o que há ao nosso redor.
Ora, isso é fugaz apenas. Logo outra ausência tomará conta de você e logo sua mente perceberá que esse impulso, nada mais é que um ímpeto incapaz de manter sua força e logo retornamos ao estado de antes. Não se engane, meu nobre amigo, as ausências são mais fortes do que nós, nada podemos contra elas. Amenizamos sim, nas rodas de conversa, na mesa regada à bebida e boas risadas. Só que a mente cônscia de si sabe que, mesmo com alguém dividindo a mesma cama, a sua cabeça deita-se sozinha no travesseiro. E ela estará somente consigo mesma no silêncio da madrugada. E assim vivemos, constantes de ausências, buscando esconderijos, dia após dia, daquilo que nos aflige, ou pior, daquilo que somos. Ausentes. Mas vou parar de te chatear com meus devaneios, desculpe esse velho bêbado inconsciente de si e de seus temores. Espero preencher minha alma rasa no esconderijo deste balcão. E por favor, mais uma dose de liberdade, por gentileza.